HISTÓRIA DO DOURO VINHATEIRO
“No Douro, em encostas que até aí só davam mato bravio, começou, no século XVII, a levantar-se a escadaria de geios ou socalcos destinados a suster a terra, em parte criada com a rocha moída e cabazadas de estrume – a mais vasta e imponente obra humana do território português.” Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico; Orlando Ribeiro
Séc. 16, 1ª metade - os vinhos generosos, de há muito produzidos na região do Douro, favorecida por factores climáticos específicos conjugados com as características geológicos e morfológicos do solo, eram conhecidos na época com a designação de vinhos de Lamego e considerados os melhores e mais aromáticos do reino; a sua área de produção era relativamente pequena, sendo na maioria transportados por terra para o reino e para Castela;
1675 - a designação "Vinho do Porto" surge, pela primeira vez, em documentação relativa à exportação de vinho para a Holanda;
1703 - Tratado de Methuen, entre Portugal e Inglaterra, concede direitos preferenciais aos vinhos portugueses;
Séc. 18, meados - reestruturação dos vinhedos, ocupando-se, cada vez mais, a zona do Cima Corgo, onde o vinho obtido era mais ao gosto britânico; transformação da paisagem , que se submete à vinha, a qual passa a dominar a região; o clima de euforia degenera em adulteração e no caos comercial, verificando-se, ainda, uma crise de superprodução; a solução para o equilíbrio da região é encontrada pelo biscaínho Bartolomeu Pancorbo e pelos durienses Luís Beleza de Andrade e frei João de Mansilha, que propõem a Sebastião de Carvalho e Melo, futuro Marquês de Pombal, a instituição da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro;
1756, 10 Setembro - alvará régio que aprovou a criação da Companhia, com o objectivo de garantir a qualidade do produto, fixar os preços e estabelecer a demarcação da região vinhateira; a criação da primeira companhia nacional de monopólio dos vinhos do Alto Douro levou à demarcação da região produtiva dos mesmos, a primeira demarcação de produção de vinhos do mundo, através de um cadastro ou registo das vinhas autorizadas das margens do Douro, denominadas vinhas ou vinhos de feitoria e embarque, classificando-os ainda segundo categorias, sendo os vinhos de feitoria de 1.ª categoria destinados à exportação e os vinhos de ramo e de mesa, de 2.ª categoria, para consumo interno;
1757 - colocação de 201 marcos de feitoria, para perpetuar esta primeira demarcação;
1760 - dois ingleses de visita a Portugal e à região de Lamego compraram toda a produção de vinho generoso de uma quinta perto do Pinhão e divulgaram a bebida em Inglaterra com muito sucesso, dando início às primeiras colónias de produtores ingleses, como Diogo e José James Forrester; este elaborou um levantamento da região e traçou a primeira planta do curso total do rio Douro;
1761 - nova demarcação da região, colocando-se mais 134 marcos;
1792 - a abertura do Cachão da Valeira intensifica as relações para o Douro Superior, embora a expansão dos vinhedos só se verifique no séc. 19;
1834, 30 Maio - D. Pedro transforma a Companhia numa mera empresa comercial; a inexistência de organismos superintendentes, levou à proliferação os vinhos do Porto adulterados que, conjugado com a perturbação do mercado inglês e a abertura da barra do Douro a todos os vinhos, mergulha o sector numa crise profunda;
1838 - reabilitação da Companhia e criação dos portos do Douro exclusivamente para o vinho duriense;
1850 - proliferação da maromba, mal negro ou gamosa;
1852 - grande prejuízo na cultura da vinha na área do Baixo e Cima Corgo provocada pelo oídio;
1863, a partir - devastação dos vinhedos pela filoxera;
1893 - surto de míldio na vinha;
1907 - nova demarcação da região de produção do vinho do Porto, que passa a incluir o Douro Superior até à fronteira com Espanha.
O Alto Douro Vinhateiro constitui a paisagem mais representativa e melhor conservada da Região Demarcada do Douro, a região vitícola demarcada mais antiga e regulamentada do mundo. A originalidade do estabelecimento dessa zona demarcada residia no facto de incluir a elaboração de um cadastro e de uma classificação das parcelas e respectivos vinhos, e a criação de mecanismos institucionais de controle e certificação do produto, apoiados em base legal.
Entre as regiões de viticultura de montanha, o Alto Douro é a que possui maior escala, maior significado histórico, maior continuidade e maior variedade biológica das castas aí aperfeiçoadas.
Dentro das regiões vitícolas históricas de montanha e de encosta europeias, o Alto Douro constitui a mancha mais significativa deste tipo de implantação. O Alto Douro é um excepcional exemplo de uma paisagem humanizada, testemunho da ousadia e engenhosidade do homem, que num esforço sobre-humano, só justificável pela obtenção de um produto de elevada qualidade e elevado retorno económico como o Vinho do Porto, criou e desenvolveu técnicas de valorização do meio adverso, ao longo dos séculos, que permitiram o cultivo da vinha. É pois uma paisagem evolutiva, que concilia diferentes modos de organização e armação da vinha e de diferentes épocas.
A construção de socalcos para a sua cultura, o elemento mais monumental da paisagem, de geometria variável, consoante a inclinação da encosta, às técnicas e época de terraceamento, com novas formas de armação de vinha, esculpiram uma paisagem de arquitectura complexa, de mosaicos caprichosamente dispostos e carácter cénico, acentuado pelos altos muros verticais ou perpendiculares aos socalcos que delimitam as quintas, bordejados por oliveiras e amendoeiras.
Com esta paisagem vitícola esmagadora e inebriante, contrasta a modéstia e singeleza da património construído nos povoados, de ocupação concentrada, bem como a arquitectura sóbria das casas solarengas e quintas, cuja organização do núcleo construído ficou dependente dos aspectos funcionais da cultura da vinha.
Paisagem cultural evolutiva viva resultante da interação do homem e da natureza, centrada na vitivinicultura, de alta qualidade, desenvolvida multissecularmente em condições ambientais difíceis, de que resultou um vinho mundialmente conhecido como "Porto" e "Douro". Constitui uma paisagem construída ao longo dos séculos segundo soluções ambientalmente optimizadas do ponto de vista de aproveitamento dos escassos recursos da água e solo, e do elevado declive do terreno, com culturas mediterrânicas adaptadas a essas condições formando mosaicos: a vinha, plantada predominantemente em socalcos construídos sobre extensos muros de xisto, que ajudavam a evitar a erosão, criando anfiteatros ao longo das encostas; a oliveira e a amendoeira, plantadas sobretudo como elementos separadores; as hortas e pomares nas terras mais fertéis, junto às linhas de água; e os matos nas zonas mais altas.
A paisagem é pontuada de branco pelos povoados, de ocupação concentrada, casas em banda junto ao caminho, adaptadas ao desnível do terreno, e muito sóbrias. Nas quintas, as casas do proprietário, erguidas no local mais destacado da paisagem, são de grande sobriedade, traça elementar, com decoração das fachadas conseguida essencialmente pelo contraste dos diferentes materiais e do ritmo dos vãos. Possuem capela adossada ou isolada, de carácter semi-público, pequeno jardim fronteiro, normalmente de buxos, e os vários edifícios ligados à cultura da vinha, interligados de modo funcional e aproveitando o declive do terreno.